j-email #3: uma noite tórrida com Jorge Vercillo em Taguatinga
é isso mesmo que você está pensando — estava calor pra caralho.
ontem (26) eu fui a um show do Jorge Vercillo. “ah, mas” — ninguém precisa perguntar nada. eu mesmo já estaria me questionando como fui parar ali, mas sabia exatamente qual foi a sequência de acontecimentos que me levaram até ao Sesi de Taguatinga naquela noite de quinta-feira. dias atrás, a Iara me mandou um PDF com o título “ingressos sesi”.
na mesma hora eu abri — minto — na mesma hora eu respondi “ih que isso”, em seguida abri o arquivo. antes mesmo de eu conseguir entender do que era aquele ingresso, ela respondeu: “ingresso pro show do jorge vercillo”.
na hora eu ri, mas depois fiz questão de confirmar se era de fato um convite sério. perto do dia do show, perguntei de novo — só pra ter certeza —, então nós fomos. os mais atentos podem ter visto no Ingresso Que Não Diz Nada a informação de que o evento começaria às 19h. o bilhete virtual do Ticket Fácil diz, afinal, algumas coisas. as Mais Atentas Ainda talvez tenham reparado que o ingresso foi de graça, evidentemente. apesar disso, a Iara teve que pagar a temida taxa de serviço, como não poderia deixar de ser.
quando chegamos, por volta das 20h10, o show da dupla Larissa Vitorino e Ana Lélia estava na reta final. pesquisando pra escrever esse texto, vi que elas não são uma dupla — pelo menos não oficialmente (se não está no Instagram, não é verdade). cada uma tem um perfil separado de artista nas redes sociais. Larissa, inclusive, foi semifinalista do The Voice Brasil 2020. achei ela uma querida. adoraria esbarrar daqui a 4 anos em uma apresentação ao vivo de uma semifinalista do Estrela da Casa.
todo sucesso às divas, que estavam terminando o show com Jardim da Fantasia, do Paulinho Pedra Azul, uma das músicas mais lindas já escritas em língua portuguesa. a produção parecia ter avisado que o tempo estava esgotado, então elas esboçaram sair do palco ao melhor estilo Marisa Monte, com o público cantando a canção até o final, mas aparentemente a produção deixou elas voltarem pra tocar mais uma música.
para minha surpresa, elas não concluíram Jardim da Fantasia, mas começaram outra canção: Come As You Are, do Nirvana. longe de mim fazer acusações, mas eu não diria que aquele som era exatamente a vibe do momento. às vezes a setlist do show é composta de faixas com escolhas intercaladas entre cada uma das artistas. como mencionado, eu e Iara chegamos ao evento já na reta final do show de abertura. então eu posso ter perdido alguma coisa na dinâmica do espetáculo.1
entre a apresentação da dupla e o show principal, nos avisaram que começaria um forró. mas o que vimos foi outra dupla — que parecia ótima — produzir o som ambiente para recados institucionais do SESI, anunciados por uma apresentadora e um fantoche, que estava dentro de uma caixa com decoração que parecia ser aproveitada da festa junina.
foi divertido até onde poderia ser. quando escutei que teria forró, imaginei que eu poderia praticar os meus desajeitados passos com a minha namorada, mas era impossível dançar um forrozinho em meio a inúmeros recados e a cantoria de um fantoche cujo sotaque era uma mistura de Louro José e Doquinha, de Nas Garras da Patrulha. e tudo bem, sabe? os avisos precisam ser dados. só não precisava criar no público a expectativa do forró.
“mas e o Jorge Vercillo, João Miguel?”
que bom que você perguntou. ótimo que tenha mencionado. admito que já peguei bastante no pé dele, que está por aí há mais de 30 anos movendo milhares de pessoas Brasil afora. mas que mal exatamente ele me fez?
Final Feliz é, não ironicamente, uma ótima música. também gosto de Encontro das águas, ao menos na parceria com Jorge Aragão, um cara Mais Foda da Família Jorge. eu estaria mentindo se dissesse que nunca balancei os ombrinhos ao som de Que Nem Maré. Homem Aranha é uma das mais intrigantes obras da música brasileira — não falei por quais motivos.
e… beleza. admito que jamais cantei Mona Lisa sem que fosse ironicamente e o que posso dizer sobre a canção Ela Une Todas As Coisas é que, de todas as músicas do show, é a última que eu conheço. o resto, para mim, foi filler. mas venho numa tentativa de formar opiniões mais amenas a respeito de um dos maiores nomes da MPB, ao menos de acordo com a aba “Sobre” do perfil dele no Spotify.
os mais atentos podem ter lido que o Jorge Vercillo é recordista de temas de novela na TV Globo. de fato, a obra dele é repleta de hits de novela. eu infelizmente tenho pouca memória de Chocolate com Pimenta: meu conhecimento se resume a flashes da Bernadete — interpretada pelo ator que foi atropelado pelo motorista que ficou pra ajudar —, da Mariana Ximenes no Meus Prêmios Nick e na piada do Casseta & Planeta em que o Helio de la Peña cumprimenta pessoas.
e por que eu tô falando tudo isso? a outra música, além das supracitadas, que eu Meio Que Conhecia, é Sensível Demais. eu sou um alguém que chora! a composição é do Jorge Vercillo, mas antes dele gravar, a canção ganhou fama através de outras vozes.
em Chocolate com Pimenta, Sensível Demais, cantada pela Nalanda, é tema do romance entre Celina e Guilherme, personagem de Rodrigo Faro. se você frequenta o Substack, já deve estar careca de saber que o apresentador também está nas telonas interpretando o papel de Silvio Santos. se eu topar com mais um texto sobre o filme Silvio, certamente vou ler, visto que amei todos que cruzaram pelo meu caminho até então. grande filme que ainda não assisti.
em suma, eu conheço sete músicas do Jorge Vercillo, e acredito que esse seja um número próximo ao da média de quem não é fã do artista carioca. até teve uma ou outra canção cuja popularidade me surpreendeu, pela quantidade de gritos e celulares levantados, mas no geral o público parecia estar no mesmo barco que eu.
Ela Une Todas As Coisas foi a primeira música que eu me lembro de ouvir no show. definitivamente uma escolha. em seguida, após encerrar uma faixa filler que não me despertou nenhuma grande emoção, ele anunciou a canção seguinte:
agora um samba autobiográfico!
e era exatamente isso o que eu estava esperando! obrigado, Jorge. no meio do samba que contava a história do nosso herói, ele emendou em Encontro das Águas, uma boa música — ao menos é o que o Jorge Aragão me fez acreditar. depois de mais algumas canções, a maioria introspectivas, ele pegou um violão e começou o hit Mona Lisa, que contagiou a plateia. no primeiro refrão, se livrou do violão e passou a cantar pular no palco. foi fofo e divertido.
mas tem uma informação importante que deixei de mencionar: ao longo do show ele estava fazendo pequenos discursos sobre cuidar do planeta, tema que se revela exponencialmente mais urgente com o passar do tempo. mas parecia uma fala evasiva e generalista.
não lembro ao certo se foi antes ou depois de Sensível Demais que o cantor aumentou o tom. com fortes frases do tipo “meu partido são as onças e as capivaras”, passando por “temos que parar com essa babaquice de Lula e Bolsonaro”, “o sistema político só trabalha pra ele mesmo” e “eu não tenho rabo preso com empresa nenhuma”, a reação do público variava entre aplausos tímidos, constrangimento e gritos efusivos, a depender de qual sentença era proferida pelo artista.
todo o discurso dele ao longo do show, não só nesses trechos destacados, foi calcado numa mistura de ambientalismo coragem e antipolítica que achei fascinante. não parecia ser ensaiado, a impressão que ficou era de uma indignação verdadeira. não sei se ele se revolta em todo show. a Iara imagina que Brasília pode ter aflorado essa angústia dentro dele. mas quando Jorge Vercillo falou que o agro NÃO era pop, fui eu quem aplaudiu e gritou. fale, Vercillão. fale com todas as letras! dê nome aos bois!
fato é que, quando me dei conta, o show já marcava mais de uma hora e ele não tinha cantado Que Nem Maré, Homem Aranha ou Final Feliz. pouco após esse pensamento cruzar a minha mente, ele começou a cantar Final Feliz. no meio da música, ele desceu pra galera num corredor, como aquele em que o Carlinhos Brown foi recebido com dezenas de garrafas d’água no Rock in Rio. sim, vocês podem encostar sua mão na minha!
ainda ouvi um comentário de uma fã dizendo que em todo show ele desce. fiquei curioso pra saber em quantos shows do Jorge Vercillo ela tem que ter ido pra afirmar isso com tamanha convicção.
lindo. vai ser um final com chave de ouro, imaginei. ele deve emendar com Homem Aranha e encerrar cantando Que Nem Maré. we’re so back! ao menos eu terminaria o show com muita diversão e ombrinhos dançando — na medida do possível.
mas não. após um momento apoteótico em Final Feliz, Jorge subiu de volta ao palco e começou a cantar Avesso, uma música triste e pesada sobre homofobia, com direito a simulação de arma na cabeça em cima do palco durante a performance. a música ainda termina com um arranjo de rock. eu estava feliz, bicho. foi você que acabou de me falar acredi-te-num-fi-nal-fe-liz! que escolha de setlist é essa?
não tinha segredo na escolha de repertório, sabe. era fazer os gols e correr pro abraço. mas tudo bem. não sei se foi depois de Avesso ou de Fênix, outra canção meio pra baixo que veio em seguida, que um senhor atrás da gente rompeu o silêncio e disparou:
nunca mais falo que ele é igual ao Djavan — pausa dramática — ele é melhor que o Djavan.
a esposa do cara não deu corda pra maluco, mas ele não faz ideia que eu nunca vou esquecer desse dia e dessas palavras.
depois de mais um momento de músicas introspectivas, o Vercillo que eu esperava ver voltou. deu saltos no palco com os braços esticados enquanto dobrava o dedo médio e o anelar, nas duas mãos. o público foi ao delírio. ele adora andar no abismo. em qualquer noite? não. em uma viril de perseguição.
após mais um momento de pura conexão artista-público com Homem-Aranha, ele seguiu a lógica e encerrou o show com Que Nem Maré — pensei. mas não, claro que não. Jorge Vercillo ainda incluiu outra música, que a Iara disse conhecer, mas eu já nem lembro mais. para mim, o espetáculo terminou ali.
últimas observações sobre o show (são várias)
também não comentei sobre os vídeos que passaram no telão em cada música do show. eu não acredito que o Jorge Vercillo tenha um VJ. se esse profissional existir, lamento, é caso de demissão. se o Jorge Vercillo estiver precisando, posso dizer que eu pelo menos já abri o Resolume. mas vamos seguir com a teoria de que o suposto VJ do JV2 não existe.
o texto já está longuíssimo para os meus padrões, então vou colocar em lista para vocês tentarem visualizar:
em Sensível Demais, se não estou enganado, o que passou no telão foi um vídeo em loop de uma noiva branca e loira supostamente genérica em um campo com muita grama sorrindo para a câmera;
não lembro se em Avesso ou Fênix, imagens também em loop de diferentes planetas pegando fogo. é. imagino que tenha em sido Fênix;
definitivamente em Final Feliz, mosaico 3x3 de vídeos de pessoas felizes com fundos em cores sólidas, como no projeto Colors;
vídeo POV também de uma pessoa fantasiada de Homem-Aranha fazendo parkour em algum lugar que parece um parque público, com brinquedos para criança e pista de skate. para quem se perguntou, esse passou no telão durante a música Homem-Aranha, também em loop. mas dentro do loop havia um corte abrupto do vídeo para uma imagem estática em 3D do Homem-Aranha. as duas mídias não pareciam ter qualquer relação entre si, a despeito de retratarem o mesmo personagem da Marvel;
silhuetas completamente pretas de mulheres com cabelão dançando em frente a fundos coloridos e animados. algo meio Summer Eletrohits, meio Caldeirão do Huck. passou enquanto Vercillo performava Que Nem Maré.
o conteúdo visual transmitido no telão durante o restante das músicas foi o que eu já esperava de um show do Jorge Vercillo: padrões coloridos e animados que parecem ter saído diretamente do Media Player do Windows Vista.
o vídeo é uma prova irrefutável que eu não menti em nenhum trecho do texto.
apesar de tudo, afirmo com segurança que os artistas brasileiros no geral podem aprender três coisas com o show de Jorge Vercillo:
duração: foram 1h34 de música. aliás, um pouco menos. não podemos esquecer dos discursos. mas o show durou mais de uma hora e meia, mesmo em um festival. ok, talvez quem tenha mais a aprender são os festivais, e não os artistas.
metais: faz toda a diferença, né? sejamos sinceros. tem artista na minha lista de mais ouvidos que teria um show muito melhor com um trompete, um sax, uma flauta. disso não dá pra reclamar do Vercillão.
não ter o rabo preso com ninguém: ao jeitinho dele, evidentemente, ele falou o que tinha que ser dito. o agro NÃO é pop. e isso ninguém vai tirar dele! aposto que ele não faz propaganda de casa de apostas também. mas eu já não colocaria a minha mão no fogo por isso.
claro. não falei da oitava, e, agora sim, última música do Jorge Vercillo que eu conheço. trata-se de Garra, gravado com Ronaldinho Gaúcho. gosto particularmente dos seguintes versos:
Ai de quem desvia dinheiro público
Ai de quem só governa em causa própria, que jogo sujoAi de quem tira o sustento de nossos pais
É tanta maldade junta
Mas isso tem que acabar
Isso vai ter que acabar
Vai se ver com ele
Cavaleiro Jorge na curva da estrada
essa não entrou no repertório, infelizmente.
o último aviso que Jorge Vercillo deu na noite de quinta-feira, depois de “vamos plantar cada vez mais árvores, vamos replantar o planeta”, foi que ele nos espera no show da turnê JV30, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, aqui em Brasília, onde ele cantará o show completo. se isso significa o que eu estou pensando, vou ter que pagar pra vê-lo cantar Garra ao vivo.
acredito que o discurso dele está encapsulado nessa entrevista veiculada pela TV Brasil em junho de 2019. eu colocaria o vídeo mais acima, mas fiz questão de manter o trecho com o Ronaldinho, que eu não havia mencionado ainda. curioso ele participar de um papo com essa rede de televisão pública nesse ano. mas de fato, Jorge, o agro NÃO é pop.
muito obrigado, SESI, pela experiência. estou ansioso pela próxima! sei que o evento continua neste final de semana, com Geraldo Azevedo e Rastapé, mas amanhã eu vou assistir a dois shows do Boogarins: no primeiro vão tocar Clube da Esquina, em seguida só As Melhores da banda. duvido que a experiência seja tão memorável quanto a de ontem, mas sabe como é, né? eu já paguei o ingresso — e a taxa de serviço.
ainda bem que fui mais atrás. esse foi apenas o segundo show do projeto “Elas Mineiras”, onde a dupla canta clássicos mineiros. mas a escolha de introduzir uma música com Come As You Are pra encerrar o show após Jardim da Fantasia continua curiosa.
parece até óbvio que o Jorge Vercillo utilize as iniciais dele, mas eu nunca o li enquanto JV. nunca vi ninguém dizer que vai ao “show do JV” em referência e a um dos maiores nomes da MPB. seria como ouvir uma pessoa falar que adora o futebol do Pê Agá Ganso.
"nunca mais falo que ele é igual ao Djavan — pausa dramática — ele é melhor que o Djavan."
é o tipo de frase que imediatamente após ouvir eu saberia que ia escrever um texto sobre essa noite
"MAS ISSO TEM QUE ACABAR!" exclamou Jorge ao lado de Ronaldinho Gaúcho.